sábado, 3 de junho de 2023

Coimbra XLII

Para os mais pequenos, o Jardim da Manga é uma espécie de lugar encantado e, para vossa informação, é mesmo. Apesar de estar em estado de decadência, é impossível não ter um carinho especial por esta obra que não só é Monumento Nacional, como é um dos mais espectaculares postais da cidade de Coimbra, desenhado com um propósito que vai além da beleza.

Construído no século 16, o jardim começou por ser um claustro, um dos 3 do antigo Mosteiro de Santa Cruz, e foi muito inovador na época porque foi feito no estilo renascentista. O religioso que ficou a cargo da construção, Frei Brás de Barros, terá pedido ao escultor e arquitecto João de Ruão uma obra que representasse a Fonte da Vida no meio do Paraíso, tal como está escrito na criação do mundo no Livro do Génesis, da Bíblia. Ou seja, a fonte no centro do Jardim da Manga representa a salvação e vida eterna. Mas há mais.

Os pormenores são muitos, desde a cúpula que representa o universo ou o firmamento; os 4 pequenos lagos que representam os rios Gehon, Físon, Tigre e Eufrates e que correm em direcção aos 4 pontos cardeais; e os 4 corredores que dão acesso às torres e que simbolizam a vida terrena. A água simboliza não só a vida como o renascimento espiritual, como no baptismo, e os 4 jardins são alusivos ao Éden de Adão e Eva. 

Se repararem, junto às escadas, há um cão de guarda, símbolo de fidelidade, e um papagaio que representa a eloquência. E não se esqueçam de olhar para cima para verem as gárgulas, elas representam os diabretes que tentavam impedir os justos de alcançar a salvação. 

Já dá para olhar para o jardim com outros olhos, não dá? Só falta o nome. O nome há quem diga que vem do facto de, reza a lenda, quando D. João III de Portugal visitou o Mosteiro e se deparou com aquele espaço vazio ter rapidamente desenhado um esboço do claustro na manga do casaco. Outra teoria é a de que manga significou em tempos hoste, ou multidão indiscriminada de pessoas, e o facto de o espaço ter albergado em tempos uma enfermaria onde eram acolhidos doentes, mendigos, peregrinos e aventureiros. No século 19, as ordens religiosas foram extintas e os bens apropriados pelo Estado, por isso muitas edificações de Santa Cruz foram aproveitadas, até aos dias de hoje, para se instalarem serviços públicos como a Câmara Municipal e a Polícia. Apesar do actual estado de degradação, o belíssimo Jardim da Manga tem quase 500 anos e vale a pena admirá-lo, contar a história aos miúdos, e já agora almoçar no também (mas não tanto) antiguinho Restaurante Jardim da Manga, remodelado em 2010.

 

Texto de Filipa Queiroz


 

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